Abuso do Direito: Tutela da Confiança
No Direito português vigente, a confiança é protegida quando se verifique a aplicação de um disposto específico a tanto dirigido ou quando os valores fundamentais do sistema, expressos como boa-fé ou sob outra designação, assim o imponham.
Um estudo aturado das previsões legais específicas que tutelem situações de confiança e das consagrações jurisprudenciais dos institutos genéricos, onde tal tutela tenha lugar, permite apontar os seguintes pressupostos da sua proteção jurídica:
1.º Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.º Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível;
3.º Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.º A imputação da situação de confiança criada a` pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar a` entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu.
A situação de confiança pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa-fé subjetiva: a posição da pessoa que não adira a` aparência ou que o faça com desrespeito de deveres de cuidado merece menos proteção.
A justificação da confiança requer que esta se tenha alicerçado em elementos razoáveis, suscetíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal.
O investimento de confiança exige que a pessoa a proteger tenha, de modo efetivo, desenvolvido toda uma atuação baseada na própria confiança, atuação essa que não possa ser desfeita sem prejuízos inadmissíveis; isto e´: uma confiança puramente interior, que não desse lugar a comportamentos, não requer protec¸a~o.
A imputação da confiança implica a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado. Ao proteger-se a confiança de uma pessoa vai-se, em regra, onerar outra; isso implica que esta outra seja, de algum modo, a responsável pela situação criada.
É no princípio da tutela da confiança que parte substancial das figuras do abuso do direito se sustentam dogmaticamente: venire contra factum proprium; suppressio e surrectio; e inalegabilidades formais.